Oi.
Esse aqui é um espaço que eu criei para fazer recomendações. Toda semana, vou indicar um filme, um disco e, quando estiver animado, alguma outra coisa (um livro, um canal do youtube, um game, etc). Pra ficar bem claro, não estou aqui para dar recomendações práticas, do tipo “se você está com 60 anos, considere fazer o exame de toque” ou “ferva seu espaguete por menos tempo que diz o pacote, porque ele ainda vai cozinhar dentro do molho”. Serão dicas, digamos assim, mais culturais - coisas para você assistir, ouvir, ler ou jogar, dos mais variados gêneros, épocas e vibes.
Por que eu resolvi fazer isso, você me pergunta? Porque eu gosto do ato de recomendar, sei lá. Não que eu ache minhas recomendações incríveis, ou que eu me considere uma pessoa de bom gosto. Na real, acho o conceito de bom gosto uma parada meio, assim, de mau gosto; coisa de gente vaidosa que gosta de cagar regra. Eu nem saberia por onde começar a julgar o gosto de alguém! A não ser que a pessoa goste das coisas de um jeito que me fascine. Tipo, “hoje vou no cinema, assistir ao Alberto assistindo ao novo filme dos irmãos Coen. Ele tem muito bom gosto”. Infelizmente, nunca conheci alguém tão interessante assim.
Vou tentar postar links de tudo que eu recomendar e citar aqui, embora nem sempre isso será possível - especialmente com os filmes, dado que essas plataformas de streaming são tudo um lixo. Como esse é o primeiro post, vou colocar recomendações a mais, que é pra você ter uma ideia melhor do tipo de coisas que eu vou escrever sobre. Enfim, aí vão as dicas de hoje:
Música
Johannes Brahms - Um Réquiem Alemão (1868)
Vou começar com uma indicação quiçá meio nada a ver: é uma obra sacra de coral com orquestra e solistas conhecida como Ein deutsches Requiem, ou Um Réquiem Alemão.
Assim, confesso que música sacra não é exatamente a coisa que eu mais gosto de ouvir por aí. Acho massa e tal, mas não manjo muito e, pro dia-a-dia, prefiro algo menos eclesiástico. Entre uma cantata do Handel e um single novo do Blackpink, fico com os Blinks. Até porque música sacra não combina com quase nenhum tipo de situação. Você já tentou ouvir a Missa em Si Menor num ônibus? Não rola muito. Ou imagina você no karaokê, daí um amigo sobe no palco e começa a cantar a Paixão segundo São Mateus? Não dá.
Dito isso, existe uma chance boa de você gostar dessa dica (se é que você já não conhece, né), além da possibilidade de você simplesmente pirar quando ouvir isso daqui pela primeira vez. Foi o que aconteceu comigo.
Um Réquiem Alemão foi composto por Johannes Brahms (1833-1897), um cara muito interessante e atormentado por vários motivos, entre eles seu próprio talento. Considerado por seus contemporâneos como o próximo Beethoven, ele sofria demais com essa pressão e costumava botar fogo em varias de suas composições, com medo de morrer e as pessoas saírem tocando as peças que ele considerava cringe. Guardadas as devidas proporções, é mais ou menos que nem eu, que tenho medo de morrer e alguém bisbilhotar o meu histórico do Google.
A primeira sinfonia do Brahms durou quinze anos pra ficar pronta, de tanto que ele tinha medo de mandar mal (no final ficou foda). Durante esse bloqueio criativo, sua mãe acabou morrendo, o que deixou ele arrasado. Foi nessa época que ele largou a sinfonia e começou a escrever Um Réquiem Alemão (réquiem, pra quem não sabe, é uma missa destinada aos mortos).
Ao contrário da maioria das peças de réquiems, que eram escritas em latim, como as do Verdi ou do Mozart, o réquiem do Brahms, como diz o nome, é todo em alemão. É um conjunto de versículos bíblicos selecionados para serem cantados em coro ou, em algumas partes, solo, por um barítono e uma soprano. Apesar de curtos, cada versículo leva vários minutos para ser cantado, sendo que a peça inteira tem cerca de uma hora. Não é que nem uma canção que a gente ouve na rádio, tipo, “Como uma deusaaaa você me mantéeeem". É uma coisa mais “Coooooooooooomooooooooo uuuuuuuuumaaaaaaaaaaa deeeeeeeeeeeuuuuuuuuuusaaaaaaaaa”, entende? Mas não de um jeito chato, muito pelo contrário.
Apesar de ser um réquiem, a letra fala pouco de Deus, dos espíritos ou dos mortos, sendo quase todos os versos dedicados aos vivos, em especial a como nós sofremos em vida e na redenção que um dia nos aguarda. Ou seja, o cara provavelmente tava bem mal que a mãe morreu, pensando se um dia aquela dor iria passar. Coitado. De qualquer forma, por conta dos versículos escolhidos, a galera considera o Réquiem Alemão uma peça com uma pegada mais humanista do que propriamente sacra. Inclusive, o próprio Brahms pensou em chama-la de Ein menschliches Requiem (Um Réquiem Humano).
Isso não quer dizer que a música não tenha o seu lado espiritual. Aliás, a primeira vez que eu ouvi esse negócio quase tive um treco, sem brincadeira. Eu não sei muito bem explicar, mas eu realmente me senti arrebatado e em contato com o divino. Infelizmente, a música acabou bem na hora da minha aula de pilates, de modo que passei meu momento bem-aventurado alongando os adutores, em uma posição pouco litúrgica. Para não acabar que nem eu, minha dica é reservar um momento do seu dia, apagar a luz do seu quarto, colocar um fonezinho e mandar bala no Réquiem. Dá também para ouvir enquanto você lê o libreto (aqui um link dele em alemão e a tradução em português). É uma parada muito intensa esse Réquiem, de verdade.
O link que eu botei aqui é de uma versão gravada pelo maestro Otto Klemperer em 1961 com a Phillarmonia Orchestra. Eu confesso que foi a única que eu ouvi, mas quem a recomendou foi um crítico de música clássica chamado David Hurwitz, que tem um canal do YouTube irado. Se você conhece outra gravação e quiser sugerir, fique a vontade! Na internet tem várias versões filmadas pra assistir, devem ser boas. Deixo aí, de qualquer forma, o canal do David pra você curtir também (é em inglês). O cara é muito simpático.
Janet Jackson - Rhythm Nation 1814 (1989)
Sabe aqueles stories de instagram que você tem que escolher cinco coisas em uma determinada categoria? Só pode escolher cinco doces, ou cinco filmes, ou sei lá o que. Pois bem, outro dia eu postei quem seriam minhas top cinco cantoras pop e, para minha surpresa, acabei sendo muito criticado por ter colocado a Janet Jackson entre elas. Isso vindo de pessoas que botaram “melão” como uma das suas frutas favoritas, que é de longe a fruta mais imbecil de todas. Melão??
Embora a Janet Jackson seja uma das cantoras mais bem sucedidas da história, com mais de cem milhões de discos vendidos, aclamada por público e crítica, eu sinto que muita gente a subestima (ao contrário do melão, que é claramente superestimado). Isso talvez ocorra por conta dela estar, de certa forma, à sombra do seu irmão Michael ou, talvez, porque ela não seja a melhor cantora do mundo tecnicamente falando, com uma voz um pouco limitada.
Contudo, o que Janet Jackson não tem de habilidade vocal ela compensa na questão da sagacidade. Ao longo da carreira, ela foi contornando a falta de técnica e desenvolvendo um estilo próprio, mais sussurrado, estridente e íntimo, sem o pizzazz de uma diva, mas que cabia melhor à sua voz e que virou referência para cantoras mais jovens. Pessoalmente, eu acho o timbre dela delicioso. Ao contrário, por exemplo, de um melão, que é uma fruta insossa e com zero qualidades.
Atenta às novidades musicais de seu tempo e com altas ambições artísticas, ela lançou muitas tendências, além de ter assinado e/ou produzido uma série de discos irados, conceitualmente ricos e inovadores, considerados clássicos da música pop norte-americana, entre eles Control, Velvet Rope e Rhythm Nation 1814.
Ao contrário do que diz o nome, Rhythm Nation 1814 não foi gravado no século XIX. É o quarto disco dela, de 1989, feito após o estrondoso sucesso de Control. Embora as gravadoras quisessem que ela continuasse na mesma toada do disco anterior, com músicas que falavam de escândalos e fofocas da sua vida privada, Janet Jackson tinha uma visão completamente diferente para esse disco. Seu objetivo era falar sobre as mazelas da sociedade e conscientizar os jovens a pensarem em assuntos como pobreza, fome e violência urbana. Em outras palavras, ela queria dar uma bela lacrada, antes mesmo do conceito existir.
De fato, Janet Jackson conseguiu o que queria, com uma série de hits que fizeram a cabeça da juventude, ainda que a letra do disco seja um tanto, digamos assim, bobinha, escrita por uma artista multimilionária que não tinha muito contato com a realidade. As mensagens que ela passa são um tanto genéricas, como “vamos juntar nossas vozes para lutar contra a injustiça social” e a minha favorita “as coisas estão ficando cada vez pior/precisamos melhorar”. Alguém avisa a ONU que o que está faltando é não piorar, mas sim melhorar!!!
Brincadeiras a parte, eu diria que a inocência do disco tem, na real, um puta charme que, olhando em retrospecto, combina muito com o estilão anos 1980 dele. O que o álbum tem de tonto e ultrapassado é exatamente o que fez ele envelhecer muito bem, de um jeito meio camp, talvez? O conceito de um “Rhythm Nation” é um que eu acho especialmente bonitinho: a ideia de que a paz virá quando o mundo se unir através da música e da dança. É uma mensagem um tanto idiota mas confesso que, no fundo, eu acredito nela, talvez naquela lógica do “não é minha revolução se eu não souber dançar", como diria Emma Goldman ou Clarice Lispector ou Chico Xavier, não lembro.
Embora eu aprecie a letra e mensagem do disco, é a parte musical que realmente me pega. Rhythm Nation 1814 é centrado no new jack swing, gênero que Janet Jackson ajudou a popularizar, inspirado no R&B e fundado em batidas sampleadas, baterias eletrônicas e synth bass, com composições sincopadas e de alta energia. Mas o álbum também tem outras influências, como na música Black Cat, um glam metal doido e uma das minhas faixas favoritas. É um disco bem barulhento, aeróbico e, acima de tudo, viciante (ao contrário de um melão).
Filme
Manji (1964) - Yasuzo Masumura
Sonoko, uma dona-de-casa entediada, resolve fazer aulas de pintura e acaba se apaixonando por outra estudante do curso, a bela e manipuladora Mitsuko. As duas começam a ter um caso intenso, até que o marido de Sonoko descobre tudo e se junta ao affair, iniciando um triângulo amoroso complicadíssimo e literalmente tóxico. E com “literalmente” eu quero dizer que rola drogas no filme, mas não as bacanas tipo um cogumelo ou um baseado, e sim uma vibe bem mais errada, envolvendo doses cavalares de sonífero em uma espécie de suruba macabra.
Manji foi dirigido por Yasuzo Masumura, um dos diretores mais importantes do Japão pós-guerra, expoente da chamada nouvelle vague japonesa. Se você nunca viu um filme desse gênero, tá aí uma ótima toca de coelho para se enfurnar. Eles costumam ser lindos, charmosíssimos e desafiadores, deliciosos de olhar mesmo quando você não entende bulhufas do que está acontecendo. Tal qual a nouvelle vague francesa, são filmes com uma linguagem transgressora, cortes fora do eixo, enquadramentos esquisitos e todas essas coisinhas. Manji, contudo, é um filme bem mais tradicional, com uma estrutura mais clássica e uma direção mais ou menos convencional, ainda que visualmente impactante.
Com uma trama pesada mas também bastante erótica, Manji é um filme até que tímido, sendo que ninguém paga peitinho no filme, quanto menos um peru, embora uma boa parte das cenas se passe com os personagens na cama, pelados ou de roupão, se atracando e tendo altas DRs. Apesar do cinema japonês ser bem pouco pudico, a nudez ainda não era comum na época, e só se tornou algo mais corriqueiro com o filme Portal de Carne, lançado no mesmo ano que Manji, sobre uma gangue de prostitutas em Tóquio - filme que aliás eu também recomendo fortemente, já que estamos aqui.
O roteiro de Manji foi inspirado no romance Voragem, publicado em capítulos de 1928 a 1930 por Jun’Ichiro Tanizaki, um escritor que eu adoro, autor do livro Diário de um Velho Louco, sobre um velho tarado, e de um dos meus ensaios favoritos, Em Louvor da Sombra, sobre as diferenças culturais entre o Ocidente e o Leste Asiático.
Onde ver Manji: Infelizmente esse eu vi no Stremio (rodou bem rápido, foi de boa). Só cuidado na hora de escolher o filme porque ele foi refilmado três vezes. Essa versão é a original, de 1964. Aí vai um link do trailer!
Dias de Outono (1963) - Roberto Gavaldón
Outro dia eu tava pensando em cinema mexicano. Mais especificamente, em como eu não sei patavinas sobre o assunto. Fiquei tentando lembrar do último filme mexicano que eu vi e tudo que me vinha à cabeça eram os episódios de Chaves em Acapulco. Então fui atrás dos clássicos, e posso dizer que tenho gostado muito do que vi até agora, como o filme Dias de Otoño, de 1963.
Dias de Otoño é sobre uma jovem confeiteira que enlouquece depois que é largada no altar pelo noivo. De tão humilhada, acabou endoidando. Quem nunca? O filme é bem dramático e emocionante, com cenas fodas, como a que ela volta a pé pra casa depois de não casar, vestida de noiva, atravessando uma espécie de 9 de Julho da Cidade do México. De partir o coração.
O filme é estrelado por uma atriz muito cativante chamada Pina Pellicer. A Pina tinha tudo para ser uma grande estrela do cinema mexicano e chegou a atuar em Hollywood, num filme dirigido pelo Marlon Brando (que, pelo que eu li por aí, se apaixonou perdidamente pela atriz). Parece que o Hitchcock era outro obcecado na Pina Pellicer, ficava mandando cartas pra ela e inclusive tinha planos de colocá-la em algum de seus filmes. Infelizmente, a Pina morreu aos 30 anos, em uma overdose de remédios para dormir. No total, ela atuou em apenas cinco filmes, incluindo um outro clássico, Macario.
Onde ver Dias de Otoño: existe uma cópia no YouTube. Ela não é ideal, pois, apesar da qualidade até que boa, é colorida (a versão original é preto e branco) e não tem legendas (eu que não sei espanhol consegui acompanhar de boa). Se alguém encontrar uma cópia melhor do filme, me manda!
Enfim, é isso! Semana que vem indico mais coisas!
continua por favo, eu já to amando a proposta de recomendar coisinhas, to baixando manji neste momento e escutando a querida da janet