Oi.
Essa aqui é minha newsletter de recomendações. Toda semana, indico um filme e um disco que eu amo, entre hits e títulos menos conhecidos, para você de repente dar uma chance.
Aí vão as dicas da semana!
Música
Fishmans - Long Season (1996)
Sucessos póstumos me dão uma certa tristezinha. Vocês também não ficam melancólicos quando pensam nessas pessoas que só foram reconhecidas depois que morreram, como, por exemplo, o Van Gogh? Eu não conheço a fundo a vida do Van Gogh, mas ele é o caso mais notório de sucesso póstumo que existe, né? Tipo, a galera na época não curtia muito os quadros dele, que hoje são considerados obras-primas e tal. Imagina isso, que frustrante? Você termina de pintar a porra da Noite Estrelada, mostra o quadro prum colega, todo animado com o resultado, e daí o colega vira pra você e fala: “Que merda, hein? Puta céu torto do caralho!”. Sinceramente, eu ia ficar super confuso e amuado se eu fosse o Van Gogh.
Muita sacanagem pensar que, hoje em dia, as pinturas do Van Gogh valem até 100 milhões de dólares. Só de imaginar o cara lá, comendo pão duro em um sanatório holandês enquanto pintava mais um quadro desses… é uma cena que dá uma puta duma dó quando você para pra pensar nela. Muito ruim ficar rico só depois de morto. Impossível de aproveitar seu dinheiro assim! Vai gastar ele com o que? Uma urna nova? Uma reunião mediúnica com o Divaldo Franco? Porra.
Infelizmente, sucessos póstumos não são incomuns na história da humanidade, começando lá atrás com ele mesmo, nosso senhor Jesus Cristo, e passando pelas mais variadas figuras, como Emily Dickinson, Franz Schubert, Robert Johnson, Nick Drake ou então, para usar um exemplo recente, o próprio Tio Paulo.
Um caso de sucesso póstumo mais recente que o Nick Drake e menos recente que o Tio Paulo é o de Shinji Sato, cantor japonês que morreu do coração aos 33 anos em 1999, antes de ver sua banda Fishmans ser celebrada mundo afora e reconhecida como um dos grupos mais importantes da história do rock japonês. Coitado!
Representante do shibuya-kei e ativa no cenário underground toquiota durante toda a década de 1990, Fishmans era uma banda de estilo único e talvez um pouco a frente do seu tempo, misturando rock com o dub jamaicano, em arranjos psicodélicos, tudo costurado pelo vocal falsetado e distinto do Shinji. A banda gravou treze discos no total, entre álbums de estúdio, ao vivos e EPs, que na época não tiveram sucesso comercial, mas que viriam a se tornar clássicos cults anos depois da morte do cantor, quando a sua obra passou a ser discutida e compartilhada em fóruns de internet e redes sociais.
Entre os álbuns de Fishmans, o mais celebrado deles é Long Season, recentemente considerado pela revista Paste como o sétimo maior disco de todos os tempos. Lançado em 1996, ele tem uma única faixa de 35 minutos, composta e produzida após a banda passar meses enfurnada no estúdio, experimentando com sons e ideias musicais, até chegar nessa longa e inesquecível peça de dream pop. O resultado é uma experiência musical inebriante, perfeitamente conduzida pelas habilidades vocais do Shinji Sato. É um álbum ótimo para ouvir sozinho em casa, louco de cogumelo, isolado no meio de uma pandemia global, que no caso foi como eu ouvi esse disco pela primeira vez. Mas dá pra ouvir ele em várias outras situações também! Outro dia mesmo eu botei o disco pra tocar enquanto lavava a louça e foi bem legal - embora eu não tenha me sentido tão conectado com o Universo como da outra vez.
A composição Long Season viria a ser gravada mais uma vez pela banda, no seu disco ao vivo 98.12.28 Otokotachi no Wakare, que registrou o último show dos Fishmans, meses antes da morte de Shinji Sato. Há quem diga que essa versão é melhor ainda que a original. Eu pessoalmente curto as duas!
Filme
Zu: Guerreiros da Montanha Encantada - Tsui Hark (1983)
Zu: Guerreiros da Montanha Encantada é um clássico honconguês do gênero wuxia, com uma história que, tal qual o prédio Palace II, impressiona por sua total e completa ausência de estrutura. A trama, baseada num livro de 1932 e situada na China do século V, segue os passos do protagonista Qiao Shu, um soldado de baixo escalão que, depois de desertar de uma guerra, acaba indo parar em uma montanha mágica, onde encontrará uma série de personagens fantásticos, entre vampiros, zumbis e guerreiros do além, além de uma seita de mulheres curandeiras e o temível Demônio de Sangue - entidade que ele terá que enfrentar com a ajuda de duas espadas lendárias.
Se essa sinopse lhe pareceu um tanto inflada e convoluta, é porque ela é mesmo. O filme é contado em um ritmo alucinado, como se ele estivesse tentando encaixar cinco horas de história em uma hora e meia de duração. Os elementos narrativos aparecem e somem aleatoriamente, se somando em um enredo absurdo e cômico, com personagens especialmente bizarros, como Chang Mei, um mestre de kung fu que luta com os pêlos das sobrancelhas. O filme, enfim, funciona como uma espécie de chuca dramática, de tanta ideia que é tirada do cu.
Contudo, é justamente essa falta de estrutura que faz de Zu um filme especialmente irresistível e fascinante. A trama tem um sabor de espontaneidade raro de se ver no cinema, como se alguém estivesse inventando a história toda de improviso, mais ou menos como um pai criando um conto de ninar para o filho. Não a toa, o filme, por mais maluco que seja, tem um efeito aconchegante na gente.
O roteiro absurdo, filmado com uma decupagem rápida e precisa, é acompanhado de efeitos especiais desconcertantes, com um estilo bastante datado mas igualmente deslumbrante. Dizem que o filme, inclusive, foi fonte de inspiração para o clássico Os Aventureiros do Bairro Proibido, dirigido por John Carpenter, em 1986. Infelizmente, Zu é um filme meio difícil de achar na internet - eu mesmo só consegui vê-lo num dia que o Stremio estava especialmente de bom humor. Se alguém achar um link massa para assistir, pode mandar!
Enfim, é isso! Até a próxima!
Tá maluco, esse show é meio mágico, bonito demais. Me pega muito o fato dele ter sido planejado como uma despedida para outro membro que ia sair da banda, a tradução é até algo tipo "A Farewell of Men" e o Sato comenta brincando em um momento "vamos ver quem vai estar por aqui ainda nos próximos 10 anos" 😭