Oi.
Essa aqui é minha newsletter de recomendações. Toda semana, indico um filme e um disco que eu amo, entre hits e títulos menos conhecidos, para você de repente dar uma chance.
Aí vão as dicas da semana!
Música
Jongo Trio - Jongo Trio (1965)
Por que a gente gosta das coisas que a gente gosta? Eu fiquei pensando nisso uns dias atrás, enquanto comprava sabonete Phebo numa farmácia. Me ocorreu na hora que, embora eu sempre teste todas as fragrâncias disponíveis na prateleira - do Naturelle ao Frescor da Manhã - eu sempre acabo levando o mesmo Phebo de sempre: no caso, o Toque de Lavanda. Curioso.
O que me faz gostar mais desse Phebo do que de outros? Se você pedisse para eu explicar o fenômeno, não saberia muito o que dizer, além de apontar para o fato de que eu aprecio muito o cheiro de lavanda e acho a embalagem roxinha especialmente da hora e atraente. Mas perceba que, de certa forma, eu só empurrei a pergunta com a barriga. Afinal de contas, por que então eu gosto da cor roxa, ou do cheiro de lavanda? Vai saber!
Sim, é claro que nossos gostos não são completamente inexplicáveis. Afinal, eles são formados, em parte, pelas nossas experiências, memórias, ideologias, elaborações, ou sei lá eu. Por exemplo, um dos Phebos que eu menos gosto é o Raiz do Oriente, talvez porque eu torça um pouco o nariz para seu nome meio exótico e orientalista. E eu também não gosto muito da trilha sonora do Seinfeld, mas só porque eu usava ela de despertador e comecei a pegar raiva. Contudo, sinto que tem uma parte do nosso gosto que é não apenas subjetiva, mas extremamente aleatória, originada possivelmente em um processo circunstancial e caótico. Uma borboleta bateu asas em Pequim e, como consequência, eu passei a gostar de lavanda. Sabe?
Eu curto mais lavanda do que alecrim da mesma maneira que eu prefiro um rigatone a um farfalle, uma mexerica pokan a uma maçã argentina, ou o Squirtle ao Charmander. Eu gosto porque eu gosto e pronto. Pessoalmente, não saberia dizer se minhas preferências são inatas ou condicionadas ou o quê, só sei que a lavanda faz uma cócega extra no meu cérebro, coisa que um um patchouli jamais seria capaz.
Quando o assunto é música, tem muita coisa aleatória que faz uma cócega extra no meu cérebro como, por exemplo, o timbre de um vibrafone, ritmos sincopados, peças que terminam numa terça de picardia e outros lances arbitrários desse tipo. Uma parada que eu amo em especial são vozes humanas em harmonia. Nada me deixa mais impactado do que ouvir um acorde cantado, muito mais do que ouvi-lo tocado num piano ou numa guitarra. Por quê? Menor ideia! De qualquer forma, eu piro em qualquer coisa com muito arranjo vocal, como quartetos de barbearia, corais sacros, os Beach Boys, ou então o grupo Jongo Trio, pioneiros do samba jazz, cujo disco de 1965 é um dos meus favoritos do gênero.
A banda surgiu na década de 1960 junto com uma leva de outros tantos trios na mesma pegada, como o Zimbo Trio e o Milton Banana Trio, todos formados por piano, baixo e bateria. No caso do Jongo Trio, os integrantes não só tocavam seus respectivos instrumentos como também cantavam, numa coisa meio Hanson ou KLB, só que com harmonizações especialmente divertidas.
O disco Jongo Trio, o primeiro do grupo, é composto de standards da bossa-nova, como Arrastão, Menino das Laranjas e a ótima Seu Chopin, Desculpe, uma canção do Johnny Alf em homenagem ao compositor polonês. É um álbum que eu invariavelmente acabo colocando pra ouvir, mesmo com tantas outras opções disponíveis. De certa forma, Jongo Trio é meu Toque de Lavanda musical.
Filme
A Embriaguez do Sucesso - Alexander Mackendrick (1957)
A Embriaguez do Sucesso é um desses filmes especialmente celebrados entre roteiristas. Inclusive, quando alguém me pede sugestão de filmes com bons roteiros, esse é um dos que eu costumo indicar. Isso quando eu gosto da pessoa, né. Caso contrário eu indico Oppenheimer, cujo enredo é tão divertido quanto ir no podólogo pra desencravar uma unha. Quer dizer, pelo menos o podólogo dura menos.
A trama de A Embriaguez do Sucesso, escrita por Clifford Odets e Ernest Lehman, gira em torno de J. J. Hunsecker (Burt Lancaster), um poderoso colunista social que tem uma relação possessiva e um tanto inapropriada com sua irmã Susan. Quando ele descobre que a irmã está tendo um relacionamento com um guitarrista, J. J. resolve recrutar o assessor de imprensa Sidney Falco (Tony Curtis) para arruinar o namoro, custe o que custar. O filme então acompanha Sidney em sua missão, perambulando pelas ruas de Manhattan, enquanto vive uma aventura cheia de chantagens, ameaças e muito jazz. Mas, no caso, é um jazz legal, com trilha composta pelo Chico Hamilton, e não um jazz chato, tipo aquele show de duas horas no Sesc Pinheiros que meu amigo me levou em 2013, com um quarteto isralense de improviso atonal. Puta merda.
Além do enredo imoral e sedutor, o roteiro se destaca pelos diálogos que, de certa maneira, carregam o tom do longa, com falas que ficaram para a história do cinema, como “o gato está no saco e o saco está no rio” ou a minha favorita “eu odiaria te morder. Você é como um biscoitinho cheio de arsênico”. O filme é basicamente uma grande troca de tapas verbais, com um tiroteio de frases inteligentes, montadas com argumentos precisos e ofensas elaboradas, que os personagens vão jogando uns nos outros em um ritmo incessante, enquanto se enfrentam em uma trama sobre corrupção e poder, criando um universo especialmente desafiador para o protagonista Sidney Falco, que precisa estar com a guarda o tempo todo levantada. Enfim, um texto realmente do caralho. Não é só que eu gostaria de ter escrito várias dessas falas, eu também adoraria ter usado elas um dia na vida real, enquanto brigo com alguém. Eu pessoalmente costumo mandar muito mal em bate-boca - é muito frustrante. Na hora falo um monte de besteira, gaguejo e tal, e só vou pensar em respostas boas semanas depois, do nada, no meio do banho. Dá muita raiva. Preciso aprender mais com o Burt Lancaster.
Enfim, por hoje é isso! Até a próxima!
SSoS é o Cidadão Kane dos roteiristas (se bem que segundo a Pauline Kael Cidadão Kane é um filme de roteirista)