Oi.
Essa aqui é minha newsletter de recomendações. Toda semana, indico um filme e um disco que eu amo, entre hits e títulos menos conhecidos, para você de repente dar uma chance.
Aí vão as dicas de hoje!
Música
Bao Meisheng - Bāo měi shèng zhī gē (1978)
Ás vezes me pergunto se eu não deveria aprender chinês. Imagina o mundo que se abre quando você aprende uma língua usada por mais de um bilhão de pessoas? Quantos filmes, livros e músicas novas para apreciar? Pensar nisso me faz salivar e lamber os lábios, que nem aquele meme do cara esfregando as mãos atrás de uma árvore, sabe?
Claro, chinês não é uma língua fácil. Pra começar, são mais de 50.000 caracteres para memorizar. Eu não consigo decorar nem minha senha para entrar no site da Nota Fiscal Paulistana, imagina 50.000 caracteres. Fora isso, existem outras complicações, como o fato de que o chinês possui muitas variantes faladas - por exemplo, se você aprende a conversar em mandarim, fica difícil entender alguém que fala cantonês e vice-versa. Enfim, complicado o negócio.
Recentemente, descobri um gênero musical irado chamado campus folk, cujo nome quase daria para traduzir como “sertanejo universitário", embora uma coisa não tenha nada a ver com a outra. Criado por estudantes taiwaneses no final da década de 1970, o estilo é uma mistura do folk ocidental com ideias musicais da tradição chinesa, resultando em gravações joviais e singelas, de belíssimos arranjos orquestrais, que combinavam instrumentos da China com bateria, baixo, guitarra, sopros e cordas. O gênero fez muito sucesso não só em Taiwan como em toda China Continental, com a ajuda de cantores consagrados como Chyi Yu, Tsai Chin e Liu Lan Hsi.
Infelizmente, isso é basicamente tudo que sei sobre campus folk. Eu simplesmente não consigo pesquisar mais a fundo sobre o gênero, porque não sei chinês. O artigo em inglês do wikipedia é bem curto e, fora isso, só encontro um texto ou outro traduzido por aí. O resto tá tudo escrito em hanzi mesmo, o que torna a Googlagem especialmente terrível. Você fica lá dando copy paste em ideogramas que nem um idiota, como se estivesse tentando decifrar a Pedra de Roseta ou sei lá eu. Puta saco.
Com muita dificuldade, fui descobrindo uma série de artistas diferentes do campus folk e ouvindo os discos que eu encontrava pela internet. Foi um processo trabalhoso, mas valeu a pena, pois encontrei muita coisa legal. O disco que eu mais gostei se chama Bāo měi shèng zhī gē (Canções de Bao Meisheng), lançado em 1978. A cantora, Bao Meisheng, se destaca pela voz delicada e quase infantil, de caráter hipnotizante e acolhedor, com um registro agudo que perfura e acalma a mente como uma agulha de acupuntura. Minha faixa favorita se chama 看我 ! 聽我 ! ou Kàn wǒ! Tīng wǒ! que, segundo o Google Translate, que dizer “Me Olhe! Me Ouça!". Pelo título, imagino que a música seja uma espécie de “pense em mim, chore por mim” do campus folk. Mas vai saber.
Eu tentei dar um jeito de traduzir as canções do álbum, mas não encontrei quase nenhuma das letras. A verdade é que eu não tenho a menor ideia do que ela está falando na maior parte do disco. O que me cativa é a vibe mesmo, que eu amo. Até me pergunto se ela não falou algo escroto em algumas das músicas, sabe? De repente eu jogo uma das faixas no tradutor e descubro que ela se chama “Hitler tinha um ponto” ou algo do tipo. Imagina? Tomara que não!!!
Filme
Pickpocket - Robert Bresson (1959)
Por que certos esportes são mais bem sucedidos do que outros, quando o assunto é cinema? Você já reparou, por exemplo, que existem dezenas de ótimos filmes sobre boxe (Rocky, Touro Indomável, Menina de Ouro, para citar alguns), mas quase nenhum bom filme de futebol, tirando, talvez, Shaolin Soccer ou, forçando uma certa barra, Ela é o Cara, estrelando Amanda Bynes? Não que não existam filmes de futebol, eles só não são tão memoráveis assim. A não ser que o filme seja memorável de tão ruim, como aquele dos anos 1990 estrelando o Zico e um monte de criança. Que porra foi aquela?
Eu acho que alguns esportes são simplesmente mais fotogênicos e cinematográficos do que outros. Não que futebol seja um esporte feio, muito pelo contrário, mas ele me parece mais difícil de encenar e filmar. Não é a toa que boxe se tornou uma das modalidades favoritas entre cineastas, mesmo ela não sendo a mais popular entre o público. Afinal de contas, trata-se de um esporte que acontece num espaço relativamente pequeno, disputado entre duas pessoas (ou seja, muito apropriado para uma decupagem de campo e contracampo), focado em movimentos relativamente curtos que não dependem de um trabalho de câmera extremamente amplo ou preciso. Um ringue de boxe tem uma estrutura domável, não muito diferente de um palco teatral ou de um set de filmagem. Já o futebol, pelo contrário, me parece um esporte bem mais complexo de encenar e coreografar, especialmente pensando na bola, que não deve respeitar muito a mise en scene proposta pelo diretor. Isso sem contar no campo enorme e, portanto, mais propenso a um enquadramento vazio e desinteressante - um espaço bem mais complicado de preencher. Se você parar para pensar, outros esportes jogados em ambientes como o do futebol também não costumam dar bons filmes, como o rugby ou o futebol americano, ao contrário da sinuca e do baseball, que geraram clássicos como Desafio à Corrupção, ou então aquele filme com a Madonna e o Tom Hanks que passava na Sessão da Tarde. Muito legal esse filme, como chama mesmo?
A mesma coisa se aplica quando o assunto é crimes. Alguns crimes são mais adaptáveis pro cinema do que outros. Eu, por exemplo, amo enredos de assalto a banco, mas não me animaria muito se me chamassem para assistir a um filme sobre sonegação de imposto. A não ser que a premissa seja especial, tipo, é sonegação de imposto, mas no espaço sideral. Ou então é a Tilda Swinton sonegando imposto no papel da sua vida.
Pickpocket, de Robert Bresson, é um filme sobre bateção de carteira. Lançado em 1959 e considerado uma das obras primas do cinema francês, ele conta a história de Michel, um trombadinha com um compasso moral particular e uma personalidade bem Raskolnikoviana. É um filme meio filosófico, sobre dilemas morais, desses que te deixam o resto do dia com crises existenciais. Meio que nem Oppenheimer, embora no caso de Oppenheimer a crise existencial aconteceu porque eu tive que passar três horas encarando o grande vazio que é aquele negócio.
As sequências de furto de Pickpocket estão entre as minhas cenas favoritas da história do cinema. Tá aí uma atividade fotogênica e cinematográfica: roubar carteiras. É um corta a mão daqui pro bolso dali, um tilt acompanhando um braço seguido de uma pan no maço de dinheiro, raccord atrás de raccord, tudo numa decupagem simples e precisa, de fazer um estudante de cinema sincopar de prazer. Um bom filme para quem quer aprender a filmar direito!
Enfim, por hoje é isso! Até a próxima!
que joia rara esse trailer do filme do Zico.