Oi.
Essa aqui é minha newsletter de recomendações. Toda semana, indico um filme e um disco que eu amo, entre hits e títulos menos conhecidos, para você de repente dar uma chance.
Aí vão as dicas!
Música
Geto Boys - The Geto Boys (1990)
Se tem um lance que eu admiro pra caramba, é o talento de um bom rapper. Tá aí uma coisa que eu jamais seria capaz de fazer. Não que eu seja capaz de fazer muita coisa também, mas sinto que rap é uma atividade especialmente impossível para mim, meio como dançar balé, estudar física quântica ou almoçar sem ver YouTube.
Pra começar, a capacidade de um bom rapper em criar rimas é uma coisa que me deixa estupefato. Ao invés de simplesmente juntar apê com bunda lelê como fez o Latino, o rapper vai lá e constrói versos cheios de rimas internas, onde quase toda sílaba rima com outra, em uma corrente fonética intricada que pipoca no seu ouvido como plástico bolha. Pense, por exemplo, na abertura da música N.Y. State of Mind, do Nas, que começa com
Rappers I monkey flip em with the funky rhythm I be kicking/Musician, inflicting composition
em que as duas sílabas do monkey rimam com as do funky, assim com as de flip em rimam com as de rhythm, as de kicking rimam com as finais de inflicting, etc. Porra.
Outra coisa que me fascina no rap é o flow, ou, em outras palavras, a habilidade do rapper em dividir seus versos em padrões rítmicos divertidos e interessantes. Esse é um tipo de talento que exige muita musicalidade. Nesse quesito, inclusive, o rapper costuma se destacar quando comparado a outros músicos. Tipo, quando o assunto é flow, nenhuma cantata do Bach chega perto de um single da Missy Elliott.
Na real, são muitas as habilidades que um bom rapper costuma apresentar, como o seu talento para fazer analogias interessantes, o faro para descobrir bons trocadilhos, a sensibilidade para garimpar e/ou produzir batidas, a aptidão para contar histórias, etc. Tem também aquela parte que não dá muito bem para explicar e que é muito própria de bons músicos no geral; uma capacidade indecifrável mas inegável de te fisgar pelo ouvido, tal qual o canto de uma sereia. É um charme musical, um carisma que só poder ser traduzido em sons, do tipo que transcende a teoria musical. Aquele coisa que você sente com o timbre de guitarra do Jimi Hendrix, mas também quando ouve a Martha Argerich tocando piano, ou o Sabotage cantando favela do Canão, ali na zona sul, siiiiiim… Brooklyn.
Recentemente coloquei um clássico do hip hop pra ouvir chamado The Geto Boys, do lendário grupo Geto Boys, que ficaram muito famosos ali no final da década de 1980. Foi uma experiência bastante maluca, pois não demorou muito mais do que uns trinta segundos para eu ficar completamente hipnotizado pelo som dos caras. Muito antes mesmo de entender sobre o que o disco falava, ou qual era exatamente seu estilo, eu já estava 100% imerso na música, em parte por conta da produção mas também e, principalmente, pelo flow e charme dos rappers Willie D, Bushwick Bill e Scarface.
Geto Boys é um grupo percursor do gangsta rap e do horrorcore (subgênero do rap que abusa de letras agressivas e perturbadoras), além de um dos responsáveis por popularizar o hip hop que vinha do sul dos Estados Unidos. O grupo não é east coast nem west coast, mas tem sua origem no estado do Texas, o que é uma coisa até meio engraçada de se pensar: é tipo se uma das bandas mais importantes da história do forró viesse de Londrina.
O disco é um remix album, ou seja, ele é feito de músicas já lançadas pelo grupo, regravadas especialmente pro disco - no caso em uma qualidade bem melhor. A produção é assinada por ninguém menos que Rick Rubin, um dos nomes mais importantes da história do hip hop, conhecido por seu estilo de produção cru e minimalista, de poucos efeitos e instrumentação mínima, mas ainda assim com um resultado super barulhento e altamente viciante. Feríssima.
Filme
Sholay - Ramesh Sippy (1975)
Dia desses eu perguntei pro Google: “qual é o Cidadão Kane de Bollywood?”. A resposta dele foi Sholay, um filme de 1975, com mais de três horas de duração.
Quando eu vi que o filme tinha 200 minutos, pensei: “Será? De repente eu vejo só uns 5 minutinhos pra entender do que se trata". No final, vi os 200 minutos numa tacada, amarradaço.
Sholay não tem nada a ver com Cidadão Kane, exceto pelo fato dele ser um dos filmes mais importantes do seu país, senão o mais importante. Dizem que Sholay basicamente definiu Bollywood, além de ser a grande obra prima do gênero masala, que são aqueles filmes indianos que misturam musical, ação, comédia e romance num só enredo, tipo um dog prensado cinematográfico. Sholay também é um dos grandes expoentes do curry western, ou faroeste indiano - que nem na Itália tem o spaghetti western e o no Brasil tem o nordestern, com os filmes de cangaceiro. Será que todo país tem seu faraoeste? Tipo, será que na Argentina rola um gaucho western ou sei lá eu? Eu ia achar irado um faroeste gaucho.
Passados quase cinquenta anos desde que ele foi lançado, Sholay continua um filme relevante no imaginário coletivo indiano. Parece que lá na Índia todo mundo conhece as suas músicas (todas incríveis, aliás) e recitam em conversas seus diálogos mais famosos, meio que nem aqui no Brasil quando a gente fala “Dadinho é o caralho, meu nome é Zé Pequeno, porra!” ou “Eu estou grávida de Luis Carlos Prestes e quero ter meu filho no Brasil!”.
A história do filme gira em torno de dois bandidos inseparáveis que são contratados por um ex-delegado para salvar uma vila das garras de Gabbar, um terrível bandido dacoit. Como um bom masala film, Sholay é uma vertiginosa montanha-russa de emoções: uma hora você tá rindo, no segundo seguinte você tá chorando e no próximo tá cantando versos em hindi, como se você fosse o próprio Baba Rambev. Filmão.
Enfim, por hoje é isso! Até a próxima!