Oi.
Essa aqui é minha newsletter de recomendações. A cada post, indico um filme e um disco que eu amo, entre hits e títulos menos conhecidos, para você de repente dar uma chance.
Enfim, aí vão as dicas de hoje!
Música
Mary O’Hara - Songs of Ireland (1957)
O termo “weeaboo” foi criado para descrever pessoas não japonesas obcecadas na cultura nipônica. Weeabos existem na mais variadas formas, embora o mais tradicional deles seja um homem branco, nerdola, suado e oleoso, que tem uma visão idealizada do Japão feudal, só consome anime e, não raramente, fetichiza mulheres asiáticas. Um tipo de pessoa bem desagradável de conviver, seja você japonês ou não.
A princípio, a palavra era usada pejorativamente, para designar esse tipo de apropriador cultural idiota e sem noção mas, com o tempo, ela começou a ser adotada de maneira irônica, entre qualquer pessoa que simpatiza com a cultura japonesa, até mesmo por quem faz isso de uma maneira respeitosa e saudável. Junto com o weeaboo, outros termos foram inventados para designar aqueles que têm carinho pelas mais variadas culturas. Por exemplo, existem os koreaboos (fãs da cultura coreana), os teaboos (fãs da cultura britânica), os ouiaboos (fãs da cultura francesa), os krautaboos (fãs da cultura alemã), os curryaboos (fãs da cultura indiana), entre outros. Eu não achei qual seria o termo para designar um fã de cultura brasileira, mas provavelmente seria algo como um sambaboo, um açaiaboo, ou qualquer coisa do tipo. Com certeza existem vários sambaboos pelo mundo, a julgar pela riqueza cultural de nosso país, ainda que nem tudo no Brasil seja motivo de tamanho fascínio. Tipo, não consigo conceber um barreadoaboo, que seria o estrangeiro especificamente apaixonado pela cultura do Paraná. Imagina? Alguém que só ouve A Banda Mais Bonita da Cidade e sonha em um dia visitar a Ópera de Arame? Não vejo. Quando penso em sambaboo, visualizo algo mais perto daquele grupo de pagode japonês que ficou famoso na internet com seu belíssimo single Querido Meu Amor. Eu amo eles.
Eu diria que, em algum nível, eu me encaixo em diferentes “-aboos”, pois sou facilmente atraído pelas coisas que são distantes e estrangeiras. Em especial, sou o que as pessoas chamam de um eireaboo, ou um admirador da cultura irlandesa. Digo, eu não sei se sou um eireaboo no mesmo nível de um típico weeaboo, que pendura espada de samurai na parede de casa, tatua kanjis no braço e anda de kimono, até porque eu nunca saí na rua em trajes celtas, tampouco uso expressões em gaélico no meu dia-a-dia, nem nada do tipo. Contudo, é verdade que eu tenho uma estranha simpatia pelos irlandeses, não sei muito bem explicar o porquê. Certamente empatizo com a história daquela galera que, tal qual nós, latino americanos, resistiu por séculos contra o processo perverso e desumano da colonização. Fora isso, acho um país de paisagens bonitas, paletas agradáveis, com uma literatura interessante e um folclore rico. Já gastei um tempo da minha vida me informando sobre a história deles mas, sinceramente, não sei profundamente sobre a Irlanda a ponto de justificar o meu lado eireaboo - o que, de certa forma, faz de mim mais eireaboo ainda, já que meu fascínio é claramente superficial, provavelmente mais baseado em estereótipos do que na realidade.
Dia desses estava tendo um momento eireaboo e googlando por músicas irlandesas, quando descobri um disco muito fera: Songs of Ireland, da cantora e harpista Mary O’ Hara. Nunca tinha ouvido falar nela mas, pelo que eu li, Mary O’ Hara é uma artista muito respeitada mundo a fora, que influenciou toda uma geração de cantoras da Irlanda e foi uma das responsáveis pelo renascimento da música folk de lá.
O álbum conta com dezoito canções tradicionais, algumas interpretadas em inglês e outras em gaélico, em arranjos de voz e harpa, resultando num álbum de sonoridade singela, que me remete não apenas à Irlanda, mas também ao chafariz das fadas na série Zelda - jogo que, aliás, é baseado em várias culturas, entre elas, a celta. Ouvir esse disco me faz sentir como se tivesse fumando um cachimbo no topo das Falésias de Moher, mas também como se tivesse recarregando minhas barras de energia, pronto para sair na porrada com o Ganandorf.
Algumas canções do disco são bem alegres e fervilhantes, como Haigh Didil Dum, outras diria que possuem um tom mais triste ou melancólico, como Oro Mo Bhaidin ou a trágica The Famine Song. Apesar de não mudar muito orquestralmente falando, ele joga com os mais variados sentimentos, alguns que eu consigo nomear ao entender as letras em inglês, outros que eu só consigo sentir abstratamente, enquanto me delicio com os fonemas da língua irlandesa. Um disco super cativante, seja você eireaboo ou não.
Filme
Ashik Kerib - Sergei Parajanov e Dodo Abashidze (1988)
Para além de um eireaboo, recentemente virei também um khachapuriaboo, nome que eu acabei de inventar para designar os fãs do estado da Geórgia. Khachapuris, para quem não sabe, são os pãezinhos de queijo georgianos, que eu nunca comi, mas que parecem deliciosos.
Quem me fez prestar atenção nesse país foi o lendário diretor georgio-armênio Sergei Parajanov, mais conhecido pelo seu hit A Cor da Romã, de 1969. Comecei vendo umas coisas dele e, em seguida, fui vendo outros filmes da Géorgia que encontrava no YouTube ou Internet Archive. Pirei e, desde então, fiquei que nem o Ray Charles, com Georgia on my mind.
O primeiro filme que vi do Sergei foi um que ele dirigiu com o ator Dodo Abashidze chamado Ashik Kerib que, junto com A Cor da Romã, Os Cavalos de Fogo e A Lenda da Fortaleza Suram, formam uma espécie de quadrilogia caucasiana. Em cada um desses filmes, Sergei homenageia uma diferente cultura do Cáucaso (aquela região entre o leste europeu e a Ásia), sendo A Cor da Romã uma ode à cultura georgiana, Os Cavalos de Fogo à cultura armênia, A Lenda Da Forteleza Suram à cultura ucraniana e Ashik Kerib à cultura do Azerbaijão. Eu ainda não vi todos esses filmes mas, pelo jeito, além de um khachapuriaboo, sou também um caucasuaboo.
Ashik Kerib conta a história de um bardo azerbaijano - ou ashik - que se apaixona pela filha de um rico comerciante. Ele pede a moça em casamento, mas o comerciante não deixa, pois o bardo é muito pobre. A moça promete não se casar com mais ninguém pelos próximos mil dias e o ashik, então, parte em uma jornada épica, tentando juntar dinheiro o suficiente para a boda, a tempo de voltar aos braços de sua amada.
O filme é quase todo enquadrado em planos abertos e lindíssimos, com muita música e pouquíssimo diálogo, que aparece vez ou outra em uma dublagem bizarra e surreal. Apesar de ser tecnicamente falado, o filme mais se assemelha a uma obra do cinema mudo, no que diz respeito à sua decupagem e aspectos formais. A direção de arte é alucinante, com romãs pintadas de branco, tapeçarias fodas, objetos anacrônicos e belos figurinos azerbaijanos, montando um visual deslumbrante que estrutura o clima fantástico e poético do filme.
Esse é um daqueles longas que, felizmente, estão disponíveis no YouTube. Mas veja ele logo, porque esses links vira e mexe saem do ar!
Bom, por hoje é isso. Até a próxima!