Oi.
Essa aqui é minha newsletter de recomendações. Toda semana, indico um filme e um disco que eu amo, entre hits e títulos menos conhecidos, para você de repente dar uma chance. Espero que você encontre algo aqui que seja do seu gosto. Ou, melhor ainda, algo que não seja do seu gosto.
Digo isso pois acredito que todo gosto é, de certo modo, adquirido. Em outras palavras, é impossível gostar de alguma coisa sem antes se familiarizar com ela. Portanto, quanto mais você entrar em contato com coisas que você a princípio não gosta, mais coisas no futuro você terá para eventualmente gostar. Faz sentido isso?
Enfim, sei lá o que eu estou falando. Aí vão as dicas de hoje!
Música
Krzystof Komeda - Astigmatic (1966)
Astigmatic, do quinteto de Krzystof Komeda, é um dos grandes clássicos do jazz polonês, ou pelo menos é isso que diz toda crítica e análise que eu encontro na internet sobre ele. Eu mesmo não entendo nada de jazz polonês. Até gostaria de entender, mas eu sei que isso provavelmente não vai acontecer, pelo menos não tão cedo. Sinto que jazz polonês tá flutuando no limbo dos meus interesses musicais, tipo, não é uma parada tão relevante e celebrada como, digamos, um fusion japonês ou um metal escandinavo, mas também não é um negócio tão fascinante e obscuro como um tango tailandês ou um carimbó russo. É apenas jazz polonês, legal, sei lá.
Brincadeiras à parte, depois que eu li um pouco sobre o assunto, entendi que o gênero tem, na verdade, uma tradição fortíssima, com uma história de muita experimentação musical. Censurado durante o governo do Stalin, o jazz na Polônia só cresceu mesmo nos anos 1960, em especial depois que o Dave Brubeck visitou o país e se apresentou por lá. Desde então, a Polônia se tornou um dos pólos do jazz europeu, desenvolvendo uma linguagem própria com um tempero eslavo, influenciado não só pelo jazz da época, mas também pela música clássica contemporânea. Pensando agora, o jazz polonês talvez seja mais legal mesmo que um carimbó russo, ainda que nenhum deles ganhe da cumbia norte-coreana, gênero que infelizmente não existe ainda, acabei de checar no Google aqui.
Krzystof Komeda é, talvez, um dos músicos mais conhecidos da Polônia entre o público estrangeiro, não só por conta de seu disco Astigmatic, mas também pelo seu trabalho como compositor de trilhas para filmes, incluindo a de O Bebê de Rosemary. A obra do cara é tão admirada que existe uma cratera em Marte chamada Komeda em homenagem a ele, o que é muito mais legal do que virar nome de rua ou de praça. Toma essa, Tiradentes!
Além de ser um disco de jazz polonês, Astigmatic também é um disco de avant-garde jazz, gênero dos anos 1950 e 1960, muito associado a músicos como John Coltrane, Ornette Coleman e outros, que desafiava não apenas convenções jazzísticas como os próprios fundamentos de tonalidade, ritmo e harmonia estabelecidos pela tradição da música ocidental. Por isso mesmo, Astigmatic é um daqueles discos que pode soar meio bizarro numa primeira ouvida, considerando sua dissonância e o remelexo nada ortodoxo. Mas basta se deixar levar para rapidamente captar o quanto que ele é arrebatador, rico e transante.
Apesar dos seus quase 50 minutos de duração, Astigmatic tem apenas três faixas, sendo a primeira delas a mais impressionante e também a mais longa, com 23 minutos. Para além do tema eletrizante e do fino entrosamento entre o grupo, tem também os momentos em que os integrantes improvisam sem acompanhamento, mostrando toda a glória dos seus instrumentos, com suas mais variadas sonoridades e timbres. As outras faixas também são incríveis. Puta disco foda. Viva o Jazz Polonês ou sei lá eu!
Filme
Confissões Íntimas de uma Cortesã Chinesa - Chor Yuen (1972)
Se tem uma coisa que eu amo ver no cinema, é gente saindo na mão. Já na vida real, confesso que não gosto tanto. Brigas de verdade costumam ser aviltantes e visualmente pobres - você acha que a galera vai sair dando voadora que nem o Jet Li, mas no final o que rola é meia duzia de empurrões, gente escorregando no chão, puxão de camisa, gritaria e um ou outro soco mal dado na orelha. Acho muito constrangedor e, na maioria das vezes, desnecessário.
No cinema, pelo contrário, muitas das minhas cenas favoritas são de luta, seja a do cara do Oldboy descendo a lenha num corredor, a do John Wick trocando socos e tiros no meio de uma balada ou o duelo de espadas no final de Sanjuro. É bem mais legal ver uma briga quando ela é meticulosamente ensaiada e ninguém termina machucado de verdade. Eu encaro filmes de luta um pouco como musicais, em que a história é constantemente interrompida para que o espectador possa se deleitar com uma bela coreografia. Aliás, eu ás vezes penso que todo filme podia ter esses momentos. Eu passei Oppenheimer inteiro torcendo pro Albert Einstein meter um cruzado no Cillian Murphy, mas no final o que eu vi foram três horas de diálogos mal escritos e cenas tão entediantes quanto assistir a uma colonoscopia.
Recentemente eu vi um ótimo filme hong-konguês de luta, chamado Confissões Íntimas de uma Cortesã Chinesa, de 1972. Produzido pelo lendário estúdio da Shaw Brothers, o filme conta a história de Ai Nu, uma mulher que é escravizada e obrigada a trabalhar em um bordel chefiado pela cafetina Chun Yi. Impactada pela beleza de Ai Nu, Chun Yi se apaixona pela nova cortesã e passa a mantê-la por perto, confidenciado-lhe segredos e ensinando técnicas do kung fu. Com os anos, Ai Nu acaba se tornando uma mestre das artes marciais e usará tudo o que aprendeu para se vingar de seus clientes mais nefastos - além, claro, da própria Chun Yi.
As cenas de luta desse filme são iradas, captadas no estilo típico da Shaw Brothers, com sua decupagem dinâmica, seus figurinos de época e um certo charme teatral, dado que o filme é todo gravado em estúdio. Uma mistura de wuxia com sexploitation, Confissões Íntimas de Uma Cortesã Chinesa é o tipo de filme que o Tarantino deve assistir semana sim semana não.
Esse não é um filme feminista, nem mesmo proto-feminista ou sei lá eu, mas é um tanto inusitado pensar que ele passa com louvor no teste de Bechdel. Não apenas a protagonista é mulher, como a antagonista também, e quase todo diálogo entre as duas são sobre a relação delas ou, no máximo, sobre assassinar homens. Existe algo de peculiar nesse filme, com sua trama brutal, homoerótica e épica, em uma premissa que não é, assim, muito comum, especialmente para um filme dos anos 1970. Eu acho isso da hora, ainda mais considerando o mundo de refilmagens e histórias recicladas em que vivemos. Eu sei que o que eu vou dizer aqui vai soar estranho, mas há um frescor especial em ver duas prostitutas da China Antiga se capotando no soco.
Enfim, por hoje é isso! Até a próxima!
amei Krzystof Komeda - Astigmatic!